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Talitha Koum

O fardo parecia tão pesado! Os ruídos tão altos! Era impossível sentir as próprias pernas, ouvir a própria voz. Talitha não via mais sentido no caminho. Para onde estava indo? Não progredia; cada passada exigia a força de dez passos e causava a dor de cem. Prometeram que seria leve carregar este fardo. Bom, a princípio realmente foi… Mas trabalhar pelo Reino se tornou cada vez mais pesaroso. Teria o Carpinteiro do palácio mentido? O que ela faria? Prometeram um bom salário ao fim… Seria isso mentira também?

Talitha chegou à carpintaria, que fica nos fundos do palácio, disposta a conseguir uma explicação… Estava uma bagunça! “Exatamente como me recordo! Ninguém se preocupa em arrumar isso aqui?”, ela pensou. Apesar de bagunçada, tudo estava sempre organizado, em seu devido lugar… Até a porta parecia maior, grande o suficiente para que seu fardo passasse por ela, Talitha estava certa de que a porta era menor! Tudo ali lhe pareceu planejado e previsto antecipadamente; sua expressão provavelmente demonstrava tão claramente seus questionamentos que o Carpinteiro se aproximou, sem que ela percebesse, e lhe disse:

— Isso foi reformado para que você pudesse entrar.

Atordoada com a aparição inesperada, Thalita respondeu:

— Quero… Exijo ver o Rei! — Ela estava confusa a respeito de sua entonação, era correto falar com o Carpinteiro real daquela maneira?

— Ah! Finalmente! — disse o Carpinteiro, sorrindo — Ele está esperando por você todo esse tempo! Eu avisei que tinha tomado o fardo e simplesmente ido embora… Mas sabíamos que você voltaria!

Talitha ficou completamente confusa. O Carpinteiro não se abalara com o seu tom, a tratou com gentileza incomparável e a concedeu aquilo que ela esperava ser negado…

— Siga-me. — O Carpinteiro a tomou pela mão e começou a guiar-lhe carpintaria adentro, na direção do palácio.

— Espere! Olhe o tamanho do meu fardo. Como me apresentarei ao Rei dessa maneira?

— Vamos dar um jeito nisso, mas agora venha! Não o deixe esperando por mais tempo!

— Não! Tire isto primeiro, por favor!

— Talitha, você não sabe nada sobre esse Reino, não é mesmo? — Ele disse isso com um sorriso nos lábios, não de deboche, mas de animação. Aquela expressão a desarmou por completo.

Quando chegaram à parede dos fundos, deparou-se com uma enorme porta de madeira entalhada com belíssimos desenhos detalhados em prata e ouro. Na base, Talitha observou uma serpente, uma mulher e um homem, ao lado de quem estava escrito em prata: אָדָם. No topo, estava o Rei, o Espírito da Verdade (Talitha nunca o viu ou ouviu sobre ele, mas estava absolutamente certa de que este era o seu nome) e um Homem, muito parecido com o Carpinteiro, ao seu lado foi escrito em ouro: הָשני. Ela não saberia dizer por quanto tempo ficaram ali parados… entre esses dois desenhos havia tantos outros! Desde o mar dividido ao meio até dois homens andando sobre as águas numa tempestade! Uma cruz, mulheres chorando, um túmulo vazio… Enquanto corria os olhos pela porta, ela viu seu rosto entalhado ali e isso foi suficiente para arrancá-la de seus devaneios. O Carpinteiro permanecia paciente, com um sorriso no rosto.

— Vamos? — Ela acenou positivamente e ele abriu a porta.

Um servo estava a postos, pronto para anunciá-los. Ele disse:

— O Homem Eterno, Rei sobre todos os reinos, e Talitha, filha que tem livre acesso, entram agora na Sala do Trono.

O Carpinteiro era Rei? Ela tinha livre acesso? Desde quando? O que estava acontecendo? O que aquilo queria dizer? Talitha tinha um milhão de questionamentos. Então o Pai… o Rei! Por que ela pensou “Pai”? Nunca o vira antes! O Rei chegou sorrindo, claramente feliz, o Espírito da Verdade estava ao seu lado, eles passaram direto pelo Carpinteiro e vieram abraçá-la. Seus pés saíram do chão naquele abraço! Como eles aguentaram o peso de seu fardo?

— Já era tempo, ein? — disse o Rei, piscando para ela. — A mesa está posta. Vamos lá, minha amada filha!

Ele a tinha chamado de filha? Ela veio lhe fazer queixas, acusar-lhe, e Ele havia preparado um banquete?

Sentaram-se. A mesa tinha exatamente quatro lugares. Todos olharam para ela. Eles tinham os olhos mais lindos e penetrantes que ela já havia conhecido! Pareciam enxergá-la por completo e ainda assim perguntaram:

— O que a trouxe aqui, querida? — Foi a primeira vez que o Espírito da Verdade falou, mas ela teve a impressão de já ter ouvido sua voz.

Constrangida, ela desviou o olhar e baixou a cabeça, o fardo tornou-se mais pesado em suas costas como se quisesse levá-la ao chão. O Carpinteiro intercedeu ao Rei em seu favor:

— Pai, Talitha abriu mão do seu próprio fardo e de vagar por outros reinos mas ainda não entendeu que tem livre acesso a nós, que estamos aqui para tornar o fardo do nosso Reino leve, que ela não foi chamada para viver como escrava e sim como filha! Perdoe-a.

Enquanto ele proferia estas palavras, o coração de Talitha se aqueceu e ela começou a entender cada uma delas; mesmo de cabeça baixa, viu as lágrimas do Espírito da Verdade, percebeu que ele derramava as suas lágrimas, sentia o seu fardo, sentia sua dor.

— Talitha — seu coração estremeceu ao ouvir o Pai chamar seu nome — Talitha koum! (que quer dizer, “Filhinha, eu te ordeno, levanta-te!”).

Aquelas palavras lhe concederam forças para olhar para o Pai. No exato momento em que seus olhos se encontraram seu fardo reduziu, e o que permaneceu era suave e leve. O Pai sorriu. Seu Pai, o Rei. Seu Amado, o Carpinteiro, o Homem Eterno. Seu Amigo, o Espírito da Verdade. Talitha se descobriu de pé diante deles, com roupas finas e, mais do que isso, indescritível era a dimensão de sua honra escondida em seu interior. Sentia-se viva pela primeira vez, sabia que era bela, sabia que era amada, sabia que nada disso mudaria pois o Eterno permaneceria o mesmo para sempre e sua essência, finalmente, estava guardada nEle.

Foto: Bianca Doria

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